Ler e escutar um poema é um bom exercício para nossa mente e alma. Alguns trazem tranquilidade, outros te tiram da zona de conforto. Seja como for, é comum escutarmos sobre as qualidades daquela poesia. Mas nem sempre poema e poesia são sinônimos. Afinal, qual a diferença entre poema e poesia?
Ouvir falar dessa distinção pode ser surpreendente para ouvidos leigos. Mas dentro da teoria literária há sutis diferenças que marcam poesia e poema como conceitos distintos. Na verdade, exprimem significados que, por vezes, se distanciam um do outros.
Que tal aprendermos então sobre qual a diferença entre poema e poesia? Vamos assim esclarecer sobre essa diferença com base nas propostas da ciência da literatura. Com um passo de cada vez, vamos ver cada conceito e assim perceber suas peculiaridades.
A proposta da poesia
De imediato relacionamos a poesia à forma poema. Mas o espectro da poesia diz respeito a todas as demais formas de sentido literário. Padrões como o romance, o conto, o ensaio e a novela também possuem poesia. Mesmo também a canção e o cinema podem ser poéticos. Vamos entende o porquê disso sobre qual a diferença entre poema e poesia.
Poesia e poética
O que define a poesia é a possibilidade de imprimir significado à alguma representação. Em outras palavras, da capacidade que temos de representar algo que nos faça acreditar. É aquilo que faz com que um poema, um romance ou mesmo um quadro possam fazer sentido para nós.
Essa credibilidade da poesia é que é chamada de poética. A poética de um romance faz da discrição dos pinheiros em uma floresta alemã algo que possamos conceber no imaginário. Isso sem sequer termos pisado na Alemanha. É dessa imersão da sensibilidade humana de que fala a poesia.
Deuses, demônios e humanos
É assim bem revelador que a ideia de poesia tenha sido proposta na Grécia Antiga. Afinal, foi na civilização clássica que a poesia passou a não ser mais algo dos deuses. Mas sim algo humano. Isso pois na mitologia grega a poesia era um empréstimo das Musas, as deusas da arte.
É a filosofia quem expõe o processo de secularização da poética. Primeiro Platão que acusou a poesia de alienar às pessoas para a verdade e do bem. Mas foi seu seguidor Aristóteles quem definiu melhor a poesia. Foi então em sua obra “A Poética”, o filósofo a coloca como algo propriamente humano.
A arte de imitar
O que Aristóteles destaca na poesia é a sua capacidade de imitar o real. É aquilo que corresponde ao conceito de mimese. O quer dizer que a representação surge como um equivalente a algum elemento do mundo real.
Importante ter em conta que a mimese não pressupõe um realismo imediato, uma obrigação da arte com as coisas que existem. Ela diz respeito a um compromisso que deixa a mensagem da representação possível de acreditar. Trata-se de sugerir algo que faça o espectador se identificar com a situação passada.
A forma poema
Se a poesia diz respeito a nossa capacidade de atribuição de sentido, o poema já é uma forma literária própria. Mais precisamente o texto de expressão literária escrito em versos. Já fica assim sugerida sobre qual a diferença entre poema e poesia. Mas há confusão entre conceitos se deve a certa proximidade histórica. Vamos conferir qual.
Simbiose
O motivo por traz da confusão entre poesia e poema é que esta foi no passado a forma literária por excelência. Ou melhor, na antiguidade não havia uma distinção entre poema, narrativa e canto. Tudo se integrava em uma experiência artística e religiosa que conferia sentido a integração comunitária.
Nesse cenário o poema se destacava pelo seu caráter épico. Isso significa que esses poemas narram situações que fundamentam as razões e valores de uma civilização. Importante também destacar que a transmissão oral se sobressai em relação a escrita. Condições que favorecem a forma versificada.
Mudança gradual
Mesmo com o fim da antiguidade e a decadência religiosa do politeísmo, as qualidades do poema ainda se sobressaiam. Durante a idade média, com a restrição da escrita a uma elite da igreja, o canto popular se destacava. Mas o caráter épico cedia cada vez mais lugar aos poemas singelos de amor e cotidiano.
Assim se destacam os poemas de trovadores. Eles ganharam destaque em países latinos como França e Portugal. Os trovadores faziam seus poemas associados a cantos e jogos de palavras. Mas o trovadorismo também indica duas tendências modernas. Primeiro a associação entre poema e lírica. O segundo, o surgimento de uma prosa literária autônoma.
O romance aparece
Antes de aparecer no ocidente, formas próximas ao romance moderno já apareceram em outras civilizações. Alguns exemplos são o “Genji Monogatari” no Japão e a “Jornada ao Oeste” na China. O romance se consagra na literatura desta parte do globo com a obra Dom Quixote, de Miguel de Cervantes.
A qualidade fundacional do livro de Cervantes indica a transição da sensibilidade medieval para a prosa moderna. Estão ali os elementos do imaginário daquela época, como a narrativa de cavalaria. Mas sob uma perspectiva satírica que realça a aventura individual em contraste com a alegoria coletiva de antes.
Separados pela modernidade
Foi o avanço do paradigma moderno que emergiu enfim uma nova sensibilidade que colocou a prosa em destaque. Com o avanço da urbanização e da industrialização, experiencias coletivas fazem cada vez menos sentido. Ganha assim destaque a perspectiva do ser humano como indivíduo. Algo que privilegia o romance.
Nesse contexto o poema então passa a ser cada mais associado com o lirismo. As narrativas ficaram ligadas a formas de prosa, como o romance e o conto. O interesse passou a ser menos pelos heróis da coletividade e mais dos anti-heróis solitários. Enfim, a nova situação da poética reflete essa mudança de cenário.
Conclusão
A associação entre poema e poesia assim reflete uma ligação milenar entre os dois conceitos. Mas conforme novos estilos de escrita foram surgindo, saber qual a diferença entre poema e poesia ficou mais claro. A poesia se mostrou assim onipresente, mas mesmo ela foi subvertida com a experimentação da modernidade.
Fontes: Aristóteles – Walter Benjamin
Imagem: Pixnio