Mesopotâmia antiga: moda, vestuário e status

antiga Mesopotâmia
Lirista e Cantora do Estandarte de Ur. Osama Shukir Muhammed Amin (Direitos autorais)

Na antiga Mesopotâmia, a moda e o vestuário – roupas, calçados e acessórios – não eram apenas funcionais, mas definiam a posição social de alguém. Desse modo, a estética das vestimentas se desenvolveram de uma simples tanga no período Ubaid (c. 5000-4100 aC) para mantos e vestidos de cores vivas na época de Império Sassânida (224-651 E.C). De qualquer forma, os estilos mudaram, mas a forma e a função essenciais permaneceram as mesmas.

Na sociedade mesopotâmica, assim como em qualquer civilização, as diferenças de classe social eram evidentes na forma como as pessoas se vestiam. A classe alta e a nobreza tinham acesso a roupas mais caras e de qualidade superior, as quais não apenas atestavam sua posição social, mas também muitas vezes indicavam sua profissão. Estátuas e representações artísticas da era pré-histórica revelam que homens e mulheres utilizavam vestimentas básicas, possivelmente feitas de materiais vegetais. Contudo, à medida que a civilização da Mesopotâmia avançava, a moda e o vestuário também se desenvolviam.

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Desenvolvimento de roupas como forma de arte

Com o tempo, especialmente após a domesticação dos animais, a lã se tornou o material mais comumente utilizado na confecção de roupas, enquanto o couro, pelo menos entre a classe alta, era empregado para a produção de calçados. Aqueles mais abastados podiam adquirir roupas com cores vibrantes, enquanto os menos afortunados utilizavam vestimentas brancas básicas. No entanto, mesmo essas roupas aparentemente simples eram ornamentadas com desenhos, tal como se pode observar nas saias e tangas do período Ubaid. Embora a Mesopotâmia seja frequentemente reconhecida como pioneira no desenvolvimento de vestimentas, dentre suas muitas outras realizações, é provável que diferentes regiões do mundo tenham desenvolvido o conceito de moda de forma independente.

A Mesopotâmia, especificamente a Suméria, é a primeira região conhecida a registrar o desenvolvimento de roupas e acessórios por meio de sua arte. Através da arte e arquitetura mesopotâmica, é possível encontrar evidências da evolução dos estilos, partindo de formas mais simples até chegar a estilos mais complexos. Além disso, essas representações artísticas também demonstram como as roupas de uma pessoa desempenhavam um papel fundamental na definição do seu status social, ou seja, “faziam o homem”.

Vestimentas na Mesopotâmia durante o período Ubaid

Durante o período Ubaid, as estatuetas retratavam mulheres vestindo tangas simples e, em um caso, uma saia que alcançava o tornozelo, sem a presença de uma parte superior. À medida que avançamos para o Período Uruk (4100-2900 aC), tanto homens quanto mulheres passaram a usar kilts ornamentados que chegavam até o joelho, ou saias que alcançavam o tornozelo, conhecidas como kaunakes. Essas vestimentas eram complementadas por chapéus, tiaras e joias, como evidenciado por selos cilíndricos e estátuas da época. A presença de algum tipo de calçado também pode ser observada nas obras de arte, provavelmente na forma de sandálias. Além disso, em algumas peças, é possível notar a utilização de perneiras decoradas por baixo do kaunakes.

A moda dessa época na antiga Mesopotâmia se estendia até mesmo às coleiras de cachorro, conforme indicado por um pingente de cachorro dourado, datado de aproximadamente 3300 aC, que apresenta uma coleira listrada. Anteriormente, as coleiras de cachorro parecem ter sido simples cordas. À medida que chegamos ao início do período dinástico (possivelmente durante o período de Uruk), o comprimento do kaunake usado por uma pessoa passou a identificar sua posição social. A classe baixa, incluindo escravos, utilizava o kaunake até o joelho, enquanto a realeza e a classe alta adotavam o estilo que alcançava o tornozelo.

De acordo com o estudioso Samuel Noah Kramer, a moda desta época pode ser caracterizada da seguinte forma:

Os homens estavam bem barbeados ou usavam longas barbas e cabelos compridos repartidos ao meio. A forma mais comum de vestir era uma espécie de saia com babados, sobre a qual às vezes eram usados ​​longos mantos de feltro. Mais tarde, o chiton, ou saia longa, substituiu a saia com babados. Cobrindo a saia havia um grande xale com franjas, que era carregado sobre o ombro esquerdo, deixando o braço direito livre. As mulheres costumavam usar vestidos que pareciam longos xales tufados, cobrindo-os da cabeça aos pés e deixando apenas o ombro direito nu. Seus cabelos eram geralmente repartidos ao meio e trançados em um rabo de cavalo pesado, que era então enrolado na cabeça. Frequentemente, usavam cocares elaborados que consistiam em fitas de cabelo, miçangas e pingentes.

Com base em representações artísticas notáveis, como o Estandarte Real de Ur, datado de aproximadamente 2600 aC, podemos observar a vestimenta do rei da época. O monarca era retratado usando um longo manto, ou então o kaunake que chegava até o tornozelo, sem a presença de uma camisa. Por outro lado, os soldados e assistentes eram representados vestindo o kaunake curto, combinado com um manto que era preso no pescoço. Algumas obras de arte também ilustram pessoas vestindo uma túnica simples que parecia apertar nos ombros e ser amarrada na cintura.

Além disso, é possível notar que músicos, dançarinos e outros artistas também adotavam o kaunake curto ou se apresentavam usando uma tanga. Essas vestimentas distintas eram características do seu papel na sociedade e demonstravam a sua identidade artística e cultural. As representações artísticas fornecem um vislumbre da diversidade de trajes usados na época, destacando as diferenças sociais e ocupacionais na forma de se vestir.

Acessórios da moda na antiga Mesopotâmia

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Cocar e Colares do Cemitério Real de Ur. Osama Shukir Muhammed Amin (Direitos autorais)

Durante esse período, os acessórios desempenhavam um papel significativo na moda da antiga Mesopotâmia. Colares e pingentes eram utilizados tanto por homens quanto por mulheres, assim como anéis, brincos, adagas ornamentais, pulseiras e braçadeiras. Os xales com franjas, possivelmente decorados com miçangas, também eram populares. Tanto homens quanto mulheres utilizavam perfumes, e os sumérios parecem ter sido pioneiros na invenção do desodorante, possivelmente por volta de 3500 aC.

Uma fonte significativa de informações sobre a moda e os acessórios da classe alta durante o início do período dinástico é proveniente das descobertas realizadas por Sir Leonard Woolley no Cemitério Real de Ur, em 1922. Especificamente, as descobertas associadas à rainha Puabi, datada de cerca de 2600 aC, são especialmente notáveis devido ao seu elaborado cocar. Essas descobertas fornecem evidências importantes sobre as preferências e os estilos de moda da época.

Desse modo, durante o período acadiano (2334-2218 aC), a moda seguiu a mesma forma básica estabelecida pelos sumérios. Os sacerdotes, por exemplo, continuaram usando túnicas até os tornozelos, assim como faziam no início do período dinástico. Já os funcionários dos templos e palácios optavam por kilts curtos. Esses funcionários recebiam um subsídio de vestuário e, geralmente, vestiam-se de forma mais elegante do que as pessoas comuns, demonstrando as distinções sociais por meio da moda.

Assim sendo, a moda e os acessórios desempenharam um papel importante na expressão da identidade social e cultural durante essa época. Através dos itens encontrados em escavações e descobertas arqueológicas, podemos reconstruir e compreender melhor a diversidade e o significado dos acessórios de moda utilizados pela elite e pelas classes privilegiadas da sociedade mesopotâmica antiga.

Moda no período assírio e babilônico

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Rei Ashurbanipal (Impressão do artista). Ilustração retirada do jogo 
Old World. Imagem original por Mohawk Games

Os babilônios adotaram uma estrutura de roupas semelhante à forma básica anteriormente estabelecida, porém adicionaram acessórios complementares. Segundo Heródoto, o estilo de se vestir é assim descrito:

Quanto ao vestuário, usam uma túnica de linho que chega até aos pés; por cima vestem outra túnica, feita de lã, e põem um xale branco sobre os ombros. Seus sapatos são de design local … Eles usam cabelos compridos e enrolam um turbante na cabeça. Eles perfumam seus corpos inteiros. Todo homem tem um anel de sinete e um cajado esculpido à mão, e todo cajado tem algum tipo de desenho – uma maçã, uma rosa, um lírio, uma águia ou algo assim. Seria anormal para qualquer um deles ter um cajado que não fosse estampado com um dispositivo.

Os reis, sem dúvida, adotavam vestimentas mais elaboradas. Um exemplo disso é a estela do Código de Hammurabi, que retrata Hammurabi (r. 1792-1750 aC) usando um longo manto que repousa sobre o braço esquerdo, acompanhado de um cocar. Nessa época, a moda também se estendeu aos deuses. Diante de Hammurabi, encontra-se Utu-Shamash, o deus do sol e da justiça, usando um manto com babados em camadas descendentes e um adorno de cabeça mais intrincado. Nessa representação, ambas as figuras apresentam barba, mas, de modo geral, os homens babilônicos preferiam manter a barba aparada.

As vestes e túnicas da classe alta eram confeccionadas em linho, enquanto a classe baixa utilizava peças de lã. A forma básica de vestimenta para homens consistia em algum tipo de chapéu, uma túnica simples (que podia ser complementada com camadas adicionais, caso alguém tivesse recursos para adquiri-las) e sandálias. As mulheres também adotavam a mesma roupa básica, porém com maior ornamentação e variação nos acessórios. Assim como no passado, o comprimento das roupas indicava a posição social, uma vez que aqueles com mais recursos financeiros podiam adquirir túnicas ou mantos mais longos.

As classes mais baixas da Babilônia, em geral, utilizavam túnicas curtas ou kaunakes, sem o uso de cocar, e não carregavam bastões, a menos que fosse necessário para o seu trabalho. Os sacerdotes continuaram a ser identificados por suas longas túnicas e, devido à consideração sagrada dada à cabra, utilizavam xales ou mantos de pele de cabra. Tanto homens quanto mulheres faziam uso de cosméticos, especialmente kohl aplicado sob os olhos para proteção contra o brilho do sol, além de joias.

Assim como nas culturas mesopotâmicas anteriores, as pessoas carregavam selos cilíndricos como forma de identificação e para selar documentos legais. Por vezes, esses selos eram presos ao manto ou túnica. Homens e mulheres da classe alta preferiam roupas com franjas tingidas em cores vivas, que, devido ao tempo necessário para a sua produção, estavam fora do alcance das classes mais baixas.

Moda persa

Os persas elevaram a moda mesopotâmica ao seu auge durante o Império Aquemênida (por volta de 550-330 aC) e, mais do que qualquer outra cultura anterior, utilizaram as roupas como expressão de status social e ocupação. Dado que os impérios persas eram multiculturais, diversos estilos eram adotados (como evidenciado nos relevos de Persépolis e em outros lugares).

No entanto, em essência, cada classe social tinha seu próprio “uniforme”, fosse a realeza, o clero, o militar ou os pastores (agricultores/pastores). Os sacerdotes vestiam túnicas brancas, os comandantes militares e soldados trajes vermelhos, e os pastores trajes azuis. Em certas épocas, o rei utilizava vestes com as três cores, simbolizando sua soberania sobre todas as outras classes.

Ao longo das diferentes épocas, entre cerca de 550 aC e 651 dC, os homens persas usavam botas ou sapatos, calças, uma camisa ou túnica com cinto na cintura, um xale ou manto, e algum tipo de chapéu. A moda da classe alta persa envolvia o uso de camadas de roupas que enfatizavam a riqueza e o poder. Por outro lado, as classes mais baixas geralmente usavam kaunakes na altura do joelho, combinado com uma camisa ou xale.

As mulheres usavam túnicas ou vestidos, às vezes ajustados com um cinto, sempre dispostos a cobrir o corpo desde o pescoço até os tornozelos. Tanto as roupas masculinas quanto femininas eram coloridas, mas as vestimentas femininas se destacavam ainda mais, sendo mais ricamente ornamentadas e decoradas com padrões vivos. As mulheres às vezes utilizavam véus, e nas últimas eras do Império Parta (247 aC – 224 dC) e do Império Sassânida (224-651 dC), as mulheres nobres, assim como os homens, favoreciam mantos de seda.

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Conclusão

A moda na Mesopotâmia não se limitava apenas às roupas, mas também incluía cuidados com os cabelos, manicure e pedicure, com aperfeiçoamentos notáveis pelos assírios. Tanto homens quanto mulheres adotavam diversos estilos de penteado, cuidavam de seus cabelos, aplicavam óleos e, em alguns casos, tingiam e perfumavam os fios. Alguns preferiam raspar completamente a cabeça e usar perucas. Os perfumes e desodorantes eram elaborados a partir de plantas aromáticas fervidas, moídas e misturadas com óleo, sendo alguns deles bastante caros, especialmente o incenso. Os cosméticos, como já mencionado, eram utilizados tanto por homens quanto por mulheres, incluindo loções corporais e faciais, rímel, delineador e protetor labial.

Desde seus primeiros estágios na Suméria, a moda na Mesopotâmia evoluiu por todo o Oriente Próximo, mantendo sua forma essencial enquanto se tornava cada vez mais complexa em termos de ornamentação e estilo. No final do período sassânida, de acordo com obras de arte, arquitetura persa e relatos escritos, a forma básica do kaunake sumério, agora acompanhada de acessórios, era utilizada desde as regiões da atual Turquia até as fronteiras da Índia, e continuava a servir como modelo para kilts, saias e vestidos até os dias atuais.

Fonte: Encyclopedia

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